01. Através da História, a mediunidade manifestou-se com
características concordes ao momento evolutivo da Humanidade. Assim, tivemos os
oráculos na Grécia Antiga, o profetismo em Israel, os fenômenos no século XIX,
até a mediunidade embasada em Kardec, que, no Brasil, desenvolveu
particularidades específicas. No momento presente, notamos a diminuição da
quantidade de médiuns, bem como da qualidade mediúnica. Estaria a mediunidade
entrando em uma nova fase? A mediunidade humana estaria cedendo terreno para a
transcomunicação instrumental? Qual o futuro da mediunidade?
DF. Meus queridos irmãos: que o Senhor Jesus, o excelente médium de Deus,
nos abençoe e nos dê a Sua paz. Allan Kardec, o ínclito Codificador da Doutrina
Espírita, fazendo uma análise da situação que o Espiritismo deveria enfrentar,
estabeleceu em O Livro dos Médiuns, a necessidade do exercício da faculdade
mediúnica de maneira consciente. Equivale dizer, de maneira lúcida,
responsável. Até Allan Kardec, a mediunidade estava envolta em vários mitos,
desde a condição divinatória até as ex-crescências psicopatológicas da Idade
Média, quando os médiuns eram colocados diante das Cortes para servir de
instrumento ao ridículo e a posteriori, nas Universidades para análise das
psicopatologias que atormentavam a criatura humana e cuja gênese era desconhecida.
Depois de Allan Kardec, o emérito professor
Charles Richet, fazendo uma panorâmica dos fenômenos metapsiquistas da
Humanidade, estabeleceu que a sociedade passou por quatro períodos distintos: o
primeiro deles foi aquele que abrange todas as comunicações mediúnicas nas
áreas da Mitologia, na área da historiografia, nos processos sociológicos, até
aproximadamente o século XVIII, quando Anton Franz
Mesmer pôde identificar uma inter-relação fluídica entre a criatura e os metais, entre as criaturas
e os astros. Portanto, aproximadamente por volta de 1775, o médico vienense deu
início ao estudo da paranormalidade humana sob outra designação, na
caracterização do que mais tarde seria denominado Mesmerismo.
Esse segundo
período, conforme o professor Charles Richet, o mesmérico, vai até o ano de
1848, com a fenomenologia que eclodiu a 31 de março, em especial na cidadezinha
de Hydesville, no condado de Rochester, em Nova York, quando as irmãs Fox se
transformaram em uma espécie de telégrafo para as comunicações lúcidas com o
mundo espiritual. Richet estabeleceu, a
partir dali, o chamado período espirítico, em que as comunicações seriam agora
abarcadas pela Doutrina Espírita, que lhes dá uma coerência filosófica e abre
espaço para uma estrutura de investigação científica. Apresenta ainda, um quarto período, que
denomina como Científico e estabelece a data de, aproximadamente 1872, embora,
para sermos coerentes, a realidade em que os fenômenos de natureza psíquica,
como foram denominados no início, têm a sua data básica a partir de 1860, com as investigações que se
realizaram na Europa.
Mas Richet
prefere prorrogar um pouco mais, graças ao advento da Metapsíquica, doutrina
criada por ele e apoiada por William Crookes e Cesare Lombroso. Afirma o Dr.
Hernani Guimarães Andrade, em um belo artigo, que Richet acalentava uma proposta muito personalista, estabelecendo um
quinto período, que seria o das investigações por ele realizadas na Vila
Carmen, em Argel, as experiências com Beni Boa através da médium Marthe Béraud,
assim como outros sensitivos.
Allan Kardec, no
entanto, considera a realidade da mediunidade a partir da última terça-feira de maio de 1855, quando,
atendendo à solicitação de amigos, por mais de uma vez, foi à residência
da senhora Plainemaison e ali observou o
fenômeno, primeiro da Sra. Roger, em estado de sonambulismo, em uma demonstração cataléptica em que ela
foi colocada sobre o espaldar de duas cadeiras com o corpo hígido e ele
observou pela primeira vez as manifestações através das mesas falantes ou
girantes. Para nós, espíritas, esse é o marco definidor da nova era dos
fenômenos paranormais.
É, no entanto, a partir de 1861, quando saiu publicado O
Livro dos Médiuns, que a mediunidade adquire a cidadania científica e ética de
comportamento moral.
O Livro dos Médiuns é o maior tratado de
paranormologia de que jamais a humanidade tomou conhecimento.
Com o advento das doutrinas psíquicas,
parapsicológicas, psicotrônicas, psicobiofísicas e da transcomunicação
instrumental, vemos o grande esforço dos estudiosos que não lograram adir nada
àquilo que Allan Kardec estabelecera.
O
próprio Richet, quando foi realizar o estudo dos fenômenos da metapsíquica, dividiu-os em duas
ordens: subjetivos
e objetivos. Neste ponto, ele está repetindo Allan Kardec, quando os
definiu como intelectuais e de efeitos físicos.
Mais tarde, a Parapsicologia, desejando
inovar, utilizou-se de algumas
expressões gregas e propôs os termos psigama e psikapa, para os
fenômenos inteligentes e os físicos, respectivamente, novamente repetindo Allan
Kardec.
Quando adicionou
os fenômenos psitheta ou aqueles que fazem pressupor a interferência de seres
desencarnados na mecânica parapsicológica, também está repetindo Allan Kardec,
que fez uma distinção na ordem daqueles que procedem do próprio médium e
aqueloutros que têm origem extra-física, produzidos por seres de outra
dimensão.
Daí, a mediunidade sempre esteve presente na sociedade,
porque não é propriedade da
Doutrina Espírita, mas
uma certa tendência do
organismo para captar ondas especiais que são decodificadas pelo sistema endócrino do médium e do
seu sistema nervoso central.
A mediunidade,
segundo Allan Kardec, é uma certa predisposição orgânica, é a
faculdade de que dispõe o organismo que a reveste de células. Essa faculdade é do Espírito, a
fim de permitir à criatura humana entrar em contato com o mundo extra-físico.
É natural que,
no momento que irrompe, para chamar atenção, os fenômenos se tornem ostensivos
e por isso mesmo, o século XIX foi muito rico de médiuns de efeitos físicos, de
efeitos intelectuais, de fenômenos de ectoplasmia. Mas, à medida que a
mediunidade deixou de ser simplesmente um fenômeno para chamar a atenção, como
veremos daqui a pouco, passou a ter uma ética de comportamento, e as
comunicações mais explosivas cederam lugar às mais técnicas, mais racionais,
com objetivos definidos, quais preparar o advento da Era Nova. Não obstante,
periodicamente aparecem fenômenos ostensivos para chamar a atenção, qual
ocorreu com a mediunidade exuberante de José Arigó, de Mirabelli, no Brasil,
para citarmos aqueles que se tornaram mais conhecidos, como também o admirável
médium Francisco Peixoto Lins, identificado como Peixotinho, que produzia
materializações luminosas e hors-concours, a mediunidade de Francisco Cândido
Xavier, pela sua qualidade de natureza superior, tornando-o portador do mediunato, o verdadeiro instrumento do
mundo espiritual superior.
Não é de
estranhar que haja diminuído a eclosão dos fenômenos que chamam a atenção,
porquanto, esse é sempre secundário. O importante é a Doutrina.
O
Espírito Vianna de Carvalho, escreveu por nossas mãos, oportunamente, há
30 anos, que a mediunidade é uma moldura; a mensagem da Doutrina é o quadro,
a tela. A mediunidade é a orla do caminho, a Doutrina é a estrada por
onde devemos peregrinar. A mediunidade foi a porta da informação; o Espiritismo
é a via de acesso ao Reino dos Céus.
Apresentado o mapa do tesouro à nós, cabe-nos
seguir a rota para podermos encontrá-lo.
Dessa forma, a
mediunidade, conforme a pergunta, vem entrando em uma fase de menos estridor,
de menos perturbação. Caracterizados os fenômenos mediúnicos, vários
transtornos psicológicos, manifestações histéricas, esquizóides, nevropatas,
que levaram os estudiosos da
neurofisiologia a confundirem a mediunidade com psicopatologias, já não são
assim encarados, embora ainda seja tida como fator de desordem comportamental e
de desequilíbrio mental.
Alguns médiuns,
ainda hoje, porque ignoram a proposta da Doutrina Espírita e a metodologia da
educação mediúnica, exarada no terceiro capítulo de O Livro dos Médiuns,
preferindo tornarem-se pessoas-fenômenos – e Kardec, com propriedade, asseverou
que a mediunidade nunca subiria ao palco das feiras para entretenimento das
massas, dando-lhe, portanto, dignidade – preferem chamar a atenção por
mecanismos patológicos, por transtornos psicológicos, por necessidade de valorização,
por exaltação do ego.
Não é de estranhar-se, portanto, que em muitas
Instituições, nas quais a Doutrina Espírita não é considerada, as comunicações
mediúnicas sejam ruidosas, através de golpes, de gritos, de estertores, que são nada mais, nada menos do que
desequilíbrios nervosos, nada tendo a ver com o fenômeno mediúnico.
A mediunidade
humana não está cedendo terreno à transcomunicação instrumental, digamo-lo de
uma vez por todas. Quando hoje os aficionados respeitáveis da transcomunicação
instrumental dizem que estamos em uma outra Era, é de lamentar que ignorem a história do Espiritismo,
porque o primeiro transcomunicador instrumental foi Allan Kardec. Ele se
utilizou de mesas que se agitavam, de ardósias que, coladas, apresentavam
pneumatografias – a escrita direta dentro delas; da cestinha de bico que
possibilitava as comunicações. Estando-se hoje na Era Eletrônica, os
instrumentos mais sofisticados chamam-nos a
atenção para o fenômeno que agora se expressa mediante os recursos que a
tecnologia nos brinda para facilitar-nos a comunicação de maneira inteligível.
Quando o próprio Kardec examinou as primeiras comunicações,
ocorreu-lhe que elas deveriam ser manifestações elétricas, porque se estava ainda muito longe do conhecimento
da eletricidade. A eletricidade mal se desenhava na área da Física. Ou poderia
ser um fenômeno de natureza magnética, e
foi por observar, por estudar, por perquirir, que ele se deu conta de que se
tratava de uma aptidão nervosa do organismo humano.
O futuro da mediunidade é demitizar os
tabus, tornar os médiuns considerados pessoas perfeitamente equilibradas, mas
paranormais. Charles Richet, a
quem nos referimos, denominou-a como sexto sentido, e os modernos
parapsicólogos, hoje ultrapassados, asseveram que no futuro todos seremos
indivíduos psi, portadores da peculiaridade que já o possuímos. Mesmo
nessa questão não disseram nada de novo, porque Kardec asseverou que somos
todos mais ou menos médiuns, que possuímos essa aptidão, qual a de cantar – a dificuldade
é cantar bem. Da mesma forma possuímos a de natureza mediúnica; o problema é
exercê-la com elevação.
O
futuro da mediunidade é, portanto, preparar o homem para a renovação social,
quando nos tornaremos médiuns da vida, sintonizando com o mundo espiritual, em
regime de perfeita naturalidade, confirmando que a morte continue desmoralizada
e a vida permaneça em triunfo.
Entrevista ao
Jornal Espirita de Salvador